terça-feira, 26 de outubro de 2010

(Des)Crenças

Existem muitas. De todos os tipos, para todas as idades, de toda sorte de gosto que pode haver nesse mundo. Cada um acredita em algo, e nem sempre a palavra crença é atrelada a religião, apenas denomina-se crença alguma coisa ou alguém que outro alguém acredita. Algumas crenças são tão inerentes a nós, que é difícil nos desvencilharmos delas a certa altura da vida. Por outro lado, há algumas que adquirimos ao longo desta, e que nos fazem deixar de acreditar em várias outras crenças anteriores. Geralmente isso acontece quando a crença deixa de ser apenas algo abstrato, que apenas fica no pensamento, e passa a invadir o mundo real, ou seja, quando aquilo que você acredita realmente acontece, ou algo que anule completamente o que você acreditava acontece, e você deixa de acreditar. As crenças religiosas trazem à sociedade grandes conflitos que nos fazem pensar. Antigamente, éramos coibidos ao ato de pensar, e de questionar, por isso a crença era algo mais homogêneo, muito mais unânime. Ou talvez nem fosse, mas as pessoas tinham que fazer parecer que sim. Tínhamos/temos medo de expressar o que sentimos em relação à religião. Agora, venhamos e convenhamos: quem nunca duvidou da existência do ser divino a que todos acreditam e se referem, que atire a primeira pedra. Não é possível que enxergando todos os dias essa dor enorme existente no mundo, não nos perguntemos se existe realmente um Pai Nosso que ajude a todos nós ao mesmo tempo. Não há e nem nunca haverá uma resposta certa e não passível de mudanças e dúvidas. Não critico a religião, mas não concordo com sua doutrina. Apenas a respeito, e a seus seguidores. Só acho que é uma forma de impôr verdades absolutas (que não existem em nenhum lugar do mundo), com a desculpa da retribuição divina na próxima vida. O que não pode acontecer, é deixar de tocar sua própria vida e dar nas mãos de uma figura divina, seja lá qual seja, para que ela a faça. A partir daí, perdoem a falta de jeito, mas vira plena patetice. Mas não cabe a mim discutir e opinar sobre coisas que não acredito. As crenças, de forma geral, podem ser boas ou ruins. No sentido de serem boas, são às vezes, confortáveis, como a da religião por exemplo. É melhor pensar que vamos pra um jardim lindo e colorido se passarmos a vida indo à missa todos os domingos, do que não ter a mínima idéia do que vai acontecer quando passarmos desta pra melhor. É menos intrigante acreditar nas coisas que sempre nos foram ditas, desde os nossos primeiros anos de entendimento vital, do que tentar entender sozinhos e morrer numa chuva de "porquês", "comos" e "ondes". Pois bem, existem crenças que nos deixam indignados, em seu lado negativo. Coisas que não conseguimos deixar de acreditar, mesmo que essas nos machuquem e nos deixem desconfortavelmente incomodados. Tipo você acreditar que o amor da sua vida, só vem uma vez. Essa é uma crença que nem sempre é saudável demais. Se você vive com esse tal amor, te faz bem. Mas a partir do momento que você não o tem mais, se torna um carma, e você se prende a isso de tal forma que não se entrega à vida para que ache outros amores. Acreditar, por exemplo, em fantasmas, espíritos ruins, te faz pensar em mil e uma coisas na hora de dormir, e muitas vezes nem te deixa em paz para que você possa fazê-lo. Mas quem disse que conseguimos deixar de acreditar? Não há luz acesa, nem beijo de boa noite, nem coberta em cima da cabeça que faça deixar de ter medo dessas coisas. E, infelizmente, ou não, não há quem mude aquilo que decidimos acreditar, e isso permite que nossos pensamentos não sejam unificados, de forma que passem a convergir ao mesmo ponto, caracterizando mais uma vez, as nossas diferenças. Cada um com sua crença, cada um com sua descrença, com sua falta ou com sua religião. Acreditar é algo que faz parte da vida, nos baseamos na crença para que possamos viver. Não é só crer em um fato, ou em uma história. É crer que o que você acredita é realmente a sua verdade. O que a Bíblia, os livros, os papas, os oráculos, os monges, os nossos pais, nossos antepassados impõem, não tem absolutamente nenhuma relação direta com a verdade. A maioria do povo acredita num lado, e nem por isso você é obrigado a concordar. Em nenhum aspecto. O bom é contrariar, não por motivo de simples rebeldia, mas por coragem. Contestar é uma virtude. Não existe nenhuma certeza nessa vida além da morte. Portanto, sinto muito se alguns acreditaram nisso por toda vida, mas a melhor saída não é aceitar o que te impõem e apenas deixar que isso te angustie a cada dia. Ou pode ser, até, pra aqueles que não possuem a coragem de questionar, e de ir a fundo em cada assunto. Talvez seja mais inteligente não acreditar em nada. Ou acreditar em tudo, quem sabe. Concorde com tudo. Acredite na religião, mas não desacredite na ciência. Reze para Deus, mas visite Jerusalém periodicamente. Vá a missa todos os domingos, mas não esqueça de fazer aquelas besteiras diárias que seus companheiros denominam pecados. Não adianta, se você toma por absoluta uma verdade, mais cedo ou mais tarde vai acabar se contradizendo. Então.. na verdade o melhor caminho a se seguir não existe, depende de cada um. O caminho que você acredita, é o melhor. Independente do que te falem, do que tentem te convencer. Quem tem que acreditar com todas as suas forças, é você. No dia em que você se interessar inexplicavelmente por um assunto qualquer, e sentir uma vontade insana de estudar sobre ele loucamente, vai saber que acredita nele com uma força maior do que todas as outras coisas que acreditou antes. Como eu fiz com esse assunto. Acreditar é algo que se faz ao longo de todos os dias. Você dorme acreditando que vai acordar vivo amanhã. Se não fizer isso, sua vida não anda. Mas não deixe nunca de questionar, de contestar, de ir a fundo em cada centímetro daquilo que você acredita - isso funciona, e muito. Não se sinta mal se um dia você deixar de acreditar em algo que todo mundo acredita. E se um dia você resolver expressar em sua descrença, todos se virarem contra você, e te perguntarem o porquê dessa contestação, a resposta é uma só: você é alguém com muita personalidade.

{Escrito com grande ajuda do maior amigo do mundo, através de muitas discussões, conversas, vídeos, fotos, e etc., Pedro Feital}

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Mais uma lição..

Talvez a decepção seja um dos piores sentimentos capazes de se sentir na vida. É um buraco sem fim, um vazio sem final, que te empurra no abismo sem querer deixar que você volte.. O pior é que pra ela não tem cura, ou pelo menos, ainda não encontrei. Por mais que você consiga esquecer temporariamente a dor da decepção, sempre que lembrar dela estará decepcionado como nunca esteve antes. Decepcionado além de tudo, por não ter conseguido ainda esquecer. De repente não haja um remédio, mas uma solução prévia. Andei imaginando uma, pra evitar de me sentir assim mais vezes. Estando decepcionados com alguma coisa, é óbvio que há um sentimento bom que o antecede. Se ficamos decepcionados, é porque acreditamos em algo, e este não aconteceu com o sucesso que esperávamos.. Ou, às vezes, pode ser que nem tenha acontecido. A expectativa é uma coisa gostosa de se sentir. Ela se faz presente na maioria dos sentimentos bons, e é ela que tira nosso sono à noite, quando pensamos no que fazer no dia seguinte em relação a alguém, por exemplo, e a reação que esse alguém vai ter diante a nossa atitude. Planejamos tudo. O tom da voz, a cor do sorriso, a textura do abraço, até as mínimas palavras. Fazemos muito, mas como podemos fazer? É confortável pensar que toda reação alheia vai ser positiva em relação a uma atitude nossa, e em virtude disso, criamos a tal da expectativa. Geralmente acontece comigo nas provas. Estudando muito, ou não, coloco toda minha esperança naquela folha de resposta. Saio mega confiante, mesmo que sabendo que no fundo não fui tão bem assim. Nossa, e como me faz mal quando o resultado não é o esperado. Você se culpa, xinga seu ego, e se deprecia por ter sido tão idiota a ponto de acreditar que aquilo realmente iria acontecer. E se decepciona com o acontecido, e consigo mesmo. Portanto, como tudo que eu já vi nesse pequeno tempo de vivência, a expectativa também tem seus prós e contras. Quando ela é referente a uma pessoa, se torna simplesmente burra. Pelo simples fato de que nos é impossível ler o pensamento alheio. Como vamos antecipar um acontecimento proveniente do pensamento de outra pessoa? Hoje nem sabemos o que nós mesmos vamos acordar pensando amanhã! Imagine na cabeça de qualquer um que seja. Pensei nisso de montão. Como se na prática fosse tão fácil quanto na teoria. Não que seja algo inalcançável, mas é bem difícil.. É quase que involuntário. É inerente a nós guardar pelo menos um pouco de otimismo na cabeça, apesar de saber que este muitas vezes, sem que percebamos, já nos fez sofrer por várias vezes. O melhor mesmo é deixar que as coisas aconteçam naturalmente, sem querer interferir em nada. Sem tentar adivinhar o que vai acontecer, o que você vai ter vontade de falar na hora, o que a pessoa vai lhe responder, quanto tempo vocês vão ficar conversando, se a conversa vai ser produtiva, e assim sucessivamente. Desculpe se estou sendo uma pedra no seu sapato, mas a expectativa é simplesmente ineficaz. Só serve pra que você se decepcione até com a chuva que cai no dia seguinte, quando você dormiu pensando naquele sol maravilhoso que com certeza ia te deixar com o bronze mais lindo do mundo no dia de amanhã. Aí você acorda com aquele barulhinho maravilhoso da água batendo na janela, e, em vez de aproveitar o que realmente está acontecendo, se prende ao que ontem você gostaria que tivesse acontecido. A ordem natural das coisas é a coisa mais linda que existe, sem interferências, sem expectativa. Não digo que você tenha que ficar exteriorizado aos acontecimentos que te rodeiam, a ponto de não querer que tudo dê certo. Mas não exija que tudo saia exatamente como você planejou. Porque não vai ser assim. E mais uma vez, você vai se decepcionar. Talvez, do jeito que tiver que acontecer, vai ser muito mais bonito, completo e colorido do que você imaginou. E aí, acontece ao contrário: você se sente feliz com aquilo. Quando você não põe expectativa, a coisa flui melhor do que você esperava, e aí, você se sente radiante. "Nossa, foi bem melhor do que pensei". Posso estar falando besteira, mas ao meu ver, é muito mais inteligente. A sensação da surpresa é muito mais gostosa. Se prevêssemos tudo o que fosse acontecer, nos decepcionaríamos com a falta de novidade que iria nos cercar. Acho que tive poucas decepções na vida. O ser humano tem mania de só parar pra pensar em determinado assunto quando algo referente ao assunto acontece. Não escrevi isso porque sou uma pessoa frustrada com a vida, é claro que não. Sempre penso que as coisas vão dar certo. Mas tenho em mim a consciência de que, se não for do jeito que pensei, vai ser melhor ainda. E se não for, eu dou um jeito de ficar. Não adianta ficar depositando tudo na coitada da expectativa. Quem faz a cor, o brilho, o sol, a chuva, as palavras, os sorrisos - é você. Você e só você. Quando você descobre que a matéria-prima da sua felicidade é o seu interior, nenhuma expectativa se torna ineficaz, e as decepções, que tanto te incomodavam, agora têm até o seu lado bom: lhe servem como lição.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Inconstante

Porque pensava, porque vivia, porque ouvia, porque errava, porque aprendia, porque falava, porque cantava, porque escolhia, porque queria, porque fazia, porque sonhava .. Sentimentos constantes eram simplesmente exteriores à ela, que tanto mudava, dia após dia. Mudava rápido de idéia, de vontade, de opinião. Não que fosse volúvel, e que não tivesse personalidade sólida, era apenas muito suscetível ao movimento da vida, que consequentemente trazia muitas mudanças a ela. Caracterizava-se a si própria como um ser permanentemente mutável, que, por mais que às vezes não quisesse, estava sempre mudando. Às vezes era bom, pois não deixou nunca que a vida a levasse, sempre tinha controle sobre ela, e fazia da sua própria vida o que bem entendia, sem deixar que ninguém interferisse nas suas escolhas. Mas por vezes, ela se sentia incomodada, pois achava que nunca estaria satisfeita com nada. Algumas coisas lhe aconteceram em seu pouco tempo de vida, e essas coisas lhe fizeram aprender muito - aprendera sobre pessoas, sobre sentimentos, sobre erros, sobre perdões .. Aprendera a dar valor a certas coisas que nunca havia percebido ter valor antes. Houve uma época em sua vida, em que tudo era perfeito. Os pássaros cantavam mais alto, os dias eram ensolarados mesmo debaixo de chuva forte. O cheiro que sentia era sempre agradável, a música que ouvia sempre era a melhor melodia do mundo. Acordava a cada dia com mais vontade de viver, ia se deitar para dormir louca para logo acordar, a viver mais um dia com tanta alegria. Essa felicidade que sentia, era plena. Foi o único momento de sua vida, que se sentira constante. Constante no sentido de ser feliz. Aquela felicidade era imutável, ninguém tirava dela. Foram 730 dias de pura plenitude. Não sabia explicar o porquê de tanta felicidade. Ela só sentia.. Os dias eram tão perfeitos, cada acontecimento se encaixava com perfeição. A vontade de viver florescia no seu coração como as flores na primavera, e a alegria disso tudo até tinha um motivo, e ela sabia exatamente qual. Todos sabiam. Ela exalava essa alegria. Os dias passavam de forma explêndida, e nada a incomodava. Sua inconstância não a perturbava, se sentira completa, como se nada pudesse mudar sua vontade de estar ali. A vida se tornara mais fácil. Os momentos difíceis eram bonitos, as escolhas complicadas eram fáceis, as atitudes eram tomadas com a maior certeza possível. Se sentia segura, amada, plena, feliz. No entanto, infelizmente nesse momento, a mutabilidade que era uma característica inerente à ela, começou a incomodar seus pensamentos. E aos poucos, sem perceber, começou a destituir essa plenitude, e quando foi perceber, já não era mais feliz. Tanto fez, que conseguiu. Aprendeu que às vezes, é preciso sossegar e dormir aos braços daquele momento que mais te deixa feliz. Nem sempre é preciso mudar a toda hora. Aprendera que aquele momento, um momento de pouco mais de 730 dias, fora o melhor de sua vida. E um dia, de repente, acordara com o tempo nublado. E dia seguinte também. E no outro também nublado. Todos os dias o eram, mesmo que debaixo de um sol de quarenta graus. Todas as músicas eram enjoativas, menos as que mais tocaram nos 730 dias. As vozes alheias eram desagradáveis. A comida perdeu o gosto. As pessoas eram simplesmente monótonas. Todas, sem grau de exceção. Os dias ou eram muito frios, ou muito quentes. Não existia clima ameno. Até as aulas de História do Brasil, de que tanto gostava, perderam o tom. A vida perdera a cor, o brilho, a claridade. Os cachorrinhos pelo chão, perderam a graça. Os livros que amava ler, as coisas que costumava fazer, só tiveram amor, nos 730 dias mais felizes e completos da sua vida. Ela não era mais ela. Queria descobrir o porquê daquela tristeza, mas não conseguia. Planejava uma forma de consertar tudo, de voltar no tempo. Por mais que todos dissessem que era impossível, ela pensava contra o mundo, e tentava, tentava, tentava. Caiu, levantou, e as feridas não fechavam mais. Aquela ferida, do maior erro que cometera, não fechava, não sarava, não curava. Quando ela achava que a cicatrização havia começado, a ferida sangrava de novo, sem explicação. Ela queria sair daquele poço que a arrastava pro seu fundo escuro, e roubava o brilho do seu sorriso, que sempre fora tão intenso.. Agora ela sorria sem querer sorrir. Cantava sem querer cantar, ouvia sem querer ouvir, falava sem querer falar. Acordava sem vontade de viver. Sonhava acordada de dia, e dormindo à noite com a mesma coisa. Não tinha mais vontade de contar suas conquistas, muito menos suas derrotas. Não da mesma forma que nesses 730 dias. A esperança a machucava a cada dia. Não conseguia mais curtir o presente, pois só pensava no futuro. Só conseguia pensar em ser feliz novamente, quando conseguisse retomar à sua vida esses dias que lhe foram tão felizes. Lembranças, fotos, músicas. Telefonemas, conversas, promessas. Todas essas matérias-primas da esperança que sentia, pinicavam sua vontade de viver todos os dias. Da hora que acordava, à hora que ia dormir. Ela queria esquecer, pra viver melhor, mas não se permitia. Fora tudo tão perfeito, que não queria nem pensar em esquecer. E mesmo que quisesse, não conseguiria. E mais uma vez, não sabia explicar o porquê. Ela só sentia.. E sente. Ainda sente, ainda dói. Ela quer mudar, quer usar sua inconstância pra conseguir ser feliz de novo. Mas não muda. Muda de ambiente, muda de opinião, muda de gosto. Mas nunca muda de amor. Nunca se desprende desse passado lindo e colorido que lhe entristece mais e mais. Os ares novos que compõem a sua nova vida não têm o poder de tirar da sua cabeça o erro que cometeu, e que acabou pra sempre com a maior chance que tivera, de ser plenamente feliz. Há 455 dias ela se sente assim. Quando vê as pessoas tão felizes, tão completas, tão amadas. Sempre que vê, sua ferida sangra mais. E o sangue não estanca, nunca. Seu coração, durante esses 455 dias, adquiriu sérios problemas na coagulação.. Há 455 dias ela acorda com dias nublados, com o sorriso amarelo. Ao se olhar no espelho consegue enxegar nitidamente o arrependimento. E a cada dia, ela quer mudar. E sua mutabilidade a deixou na mão. A traiu. Deixou-a no chão, sangrando, sofrendo, sem nem lhe dar a mão para que possa levantar e seguir em frente. Nem pra abraçá-la quando acorda de madrugada com seu travesseiro empoçado pelas lágrimas. Pra pegar na sua mão e encorajá-la a levantar a cada manhã, pra tentar sorrir de novo. Ela agora está sozinha.. E a esperança não a abandona. As lembranças, são suas únicas amigas. Só elas. Elas são as que, nos momentos de tristeza, a fazem lembrar que um dia fora a menina mais feliz desse mundo. Por isso, ainda lhe resta lá no fundo uma mínima vontade de acordar todos os dias. Pela segunda vez na sua vida, ela tem um sentimento constante: a culpa.

domingo, 3 de outubro de 2010

ENC:(Sem assunto)

A ausência de idéias iniciais pra escrever, talvez possa parecer um bom motivo para fazê-lo, visto que o melhor jeito de começar um texto, na minha humilde concepção, é não ter a mínima idéia do que se escreve. Não no tocante ao assunto que se trata, é claro que pra defender determinado ponto de vista, precisamos ter conhecimento sobre tal assunto, mas não necessariamente a sistematização da estrutura do texto. Apenas a idéia central é suficiente para que o texto flua com naturalidade. Geralmente começo escrevendo sobre nada. A criatividade é uma figura crucial na escritura, mas não é ela a principal. Só tenho um esboço vago do que vou escrever quando vou contar uma história, que já é algo fixado pela memória.. Fora isso, começo sempre com um texto (sem assunto). Ao contrário do que deveria, o título é o que escrevo por último, depois de ter organizado todas as idéias e no final, ter conseguido assimilar finalmente qual é o assunto do texto que acabo de escrever - porque só o consigo no final. Enquanto escrevo, não sei quem sou, não sei o que escrevo, não sei de onde vêm todas as idéias, toda habilidade, toda destreza.. Simplesmente desconheço a procedência de todas as citações anteriores. A única coisa que sei, é que escrever é o que mais amo fazer. Não sei como comecei, nem onde, nem quando, nem por quê. Mas amo. Ao terminar, e ler, muitas vezes nem acredito que fui eu que escrevi. Não por falta de modéstia, evidentemente. Apenas porque não lembro de onde vieram as idéias. Escrevo com tanta paixão, que as palavras florescem de forma que não sinto. Quando percebo minha tamanha empolgação, estou no final do quarto parágrafo, e aí me desespero porque vejo que escrevi demais. Não que seja um mal, mas em textos grandes, geralmente a idéia central se perde; você fala sobre diversas coisas, e o assunto inicial já não é mais o mesmo que norteia o parágrafo final. Expôr suas idéias num papel, não é a mesma coisa de expressá-las usando o dom da fala. Na oratória você tem a facilidade de articular as palavras com os movimentos da voz, tenta expressar pela fala exatamente a imagem que te passa na mente. Ao escrever, não é assim que a banda toca. Às vezes penso até em deixar de escrever por ter um assunto na mente, aliás. Se torna tão impossível de transformá-lo em palavras, que quase desisto, deixando-o só na idéia. Mas a fome de utilizar todas as palavras conhecidas por mim pra tentar de vez expressar o que penso é tanta, que escrevo. Mesmo que não fique bom. Escrever não é só um modo de mostrar que você sabe. Não é só um meio através do qual você enriquece seu vocabulário. Nem mesmo uma ferramenta que se usa pra convencer alguém de alguma coisa decorrente da habilidade nítida que se vê, por exemplo, a de escrever. Escrever é uma terapia. É uma forma de tentar entender a si próprio. Escrevendo, você é obrigado a organizar suas idéias de forma a compactá-las e entender de uma vez por todas que raio de pensamento é esse que tanto te aflige dia após dia. Não tendo alguém que te entenda nessas aflições, a arte de escrever sempre te é solícita. As palavras são, de longa data, minhas melhores amigas. É nelas que deposito minhas dores, e alegrias, e histórias, e admirações. É com elas que me entendo. É por elas que tenho grande carinho, elas são as que preenchem minhas tardes vazias (quando as são). Um dia se me pedissem para descrever a sensação de ler um texto meu, eu não saberia fundamentar a resposta. É uma sensação única. De orgulho, satisfação, alívio. Quando você escreve realmente com sentimento, transmite-os às pessoas leitoras dos seus textos, e, se você próprio é uma delas, consegue entender-se. Envolve as pessoas nos laços entre as palavras e os sentimentos, entre as dores e os verbos, os amores e as concordâncias. Fácil ter habilidade na gramática. Saber de cabeça todas as definições complicadas de orações subordinadas, coordenadas, e suas adjacências. Não sou formada em faculdade de Letras. Tampouco pretendo. O que tenho em mim não é habilidade, nem conhecimento da estrutura de uma redação. O que eu escrevo é repleto de vida, de amor. Não é sistematizado nem bolado um dia antes. É improvisado, na mesma hora em que é transformado nessas palavras. E o melhor presente que posso ganhar com eles, é ver que minhas palavras fazem algumas das pessoas que lêem, encantadas - seja por orgulho, compreensão, ou apenas admiração. Minha relação com as palavras é das melhores possíveis, e é por isso que tenho tanta paixão por elas. Por saber que elas me confortam, e me prendem num mundo onde nunca são elas insuficientes para caber no limite das minhas idéias, da minha história, das minhas paixões. Deposito aqui, nesse texto, bem como nos outros todos que já escrevi e hei de escrever, todo o amor que houver dentro de mim, e principalmente, todo o amor que eu encontrar dentro do meu mundo.