sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Inconstante

Porque pensava, porque vivia, porque ouvia, porque errava, porque aprendia, porque falava, porque cantava, porque escolhia, porque queria, porque fazia, porque sonhava .. Sentimentos constantes eram simplesmente exteriores à ela, que tanto mudava, dia após dia. Mudava rápido de idéia, de vontade, de opinião. Não que fosse volúvel, e que não tivesse personalidade sólida, era apenas muito suscetível ao movimento da vida, que consequentemente trazia muitas mudanças a ela. Caracterizava-se a si própria como um ser permanentemente mutável, que, por mais que às vezes não quisesse, estava sempre mudando. Às vezes era bom, pois não deixou nunca que a vida a levasse, sempre tinha controle sobre ela, e fazia da sua própria vida o que bem entendia, sem deixar que ninguém interferisse nas suas escolhas. Mas por vezes, ela se sentia incomodada, pois achava que nunca estaria satisfeita com nada. Algumas coisas lhe aconteceram em seu pouco tempo de vida, e essas coisas lhe fizeram aprender muito - aprendera sobre pessoas, sobre sentimentos, sobre erros, sobre perdões .. Aprendera a dar valor a certas coisas que nunca havia percebido ter valor antes. Houve uma época em sua vida, em que tudo era perfeito. Os pássaros cantavam mais alto, os dias eram ensolarados mesmo debaixo de chuva forte. O cheiro que sentia era sempre agradável, a música que ouvia sempre era a melhor melodia do mundo. Acordava a cada dia com mais vontade de viver, ia se deitar para dormir louca para logo acordar, a viver mais um dia com tanta alegria. Essa felicidade que sentia, era plena. Foi o único momento de sua vida, que se sentira constante. Constante no sentido de ser feliz. Aquela felicidade era imutável, ninguém tirava dela. Foram 730 dias de pura plenitude. Não sabia explicar o porquê de tanta felicidade. Ela só sentia.. Os dias eram tão perfeitos, cada acontecimento se encaixava com perfeição. A vontade de viver florescia no seu coração como as flores na primavera, e a alegria disso tudo até tinha um motivo, e ela sabia exatamente qual. Todos sabiam. Ela exalava essa alegria. Os dias passavam de forma explêndida, e nada a incomodava. Sua inconstância não a perturbava, se sentira completa, como se nada pudesse mudar sua vontade de estar ali. A vida se tornara mais fácil. Os momentos difíceis eram bonitos, as escolhas complicadas eram fáceis, as atitudes eram tomadas com a maior certeza possível. Se sentia segura, amada, plena, feliz. No entanto, infelizmente nesse momento, a mutabilidade que era uma característica inerente à ela, começou a incomodar seus pensamentos. E aos poucos, sem perceber, começou a destituir essa plenitude, e quando foi perceber, já não era mais feliz. Tanto fez, que conseguiu. Aprendeu que às vezes, é preciso sossegar e dormir aos braços daquele momento que mais te deixa feliz. Nem sempre é preciso mudar a toda hora. Aprendera que aquele momento, um momento de pouco mais de 730 dias, fora o melhor de sua vida. E um dia, de repente, acordara com o tempo nublado. E dia seguinte também. E no outro também nublado. Todos os dias o eram, mesmo que debaixo de um sol de quarenta graus. Todas as músicas eram enjoativas, menos as que mais tocaram nos 730 dias. As vozes alheias eram desagradáveis. A comida perdeu o gosto. As pessoas eram simplesmente monótonas. Todas, sem grau de exceção. Os dias ou eram muito frios, ou muito quentes. Não existia clima ameno. Até as aulas de História do Brasil, de que tanto gostava, perderam o tom. A vida perdera a cor, o brilho, a claridade. Os cachorrinhos pelo chão, perderam a graça. Os livros que amava ler, as coisas que costumava fazer, só tiveram amor, nos 730 dias mais felizes e completos da sua vida. Ela não era mais ela. Queria descobrir o porquê daquela tristeza, mas não conseguia. Planejava uma forma de consertar tudo, de voltar no tempo. Por mais que todos dissessem que era impossível, ela pensava contra o mundo, e tentava, tentava, tentava. Caiu, levantou, e as feridas não fechavam mais. Aquela ferida, do maior erro que cometera, não fechava, não sarava, não curava. Quando ela achava que a cicatrização havia começado, a ferida sangrava de novo, sem explicação. Ela queria sair daquele poço que a arrastava pro seu fundo escuro, e roubava o brilho do seu sorriso, que sempre fora tão intenso.. Agora ela sorria sem querer sorrir. Cantava sem querer cantar, ouvia sem querer ouvir, falava sem querer falar. Acordava sem vontade de viver. Sonhava acordada de dia, e dormindo à noite com a mesma coisa. Não tinha mais vontade de contar suas conquistas, muito menos suas derrotas. Não da mesma forma que nesses 730 dias. A esperança a machucava a cada dia. Não conseguia mais curtir o presente, pois só pensava no futuro. Só conseguia pensar em ser feliz novamente, quando conseguisse retomar à sua vida esses dias que lhe foram tão felizes. Lembranças, fotos, músicas. Telefonemas, conversas, promessas. Todas essas matérias-primas da esperança que sentia, pinicavam sua vontade de viver todos os dias. Da hora que acordava, à hora que ia dormir. Ela queria esquecer, pra viver melhor, mas não se permitia. Fora tudo tão perfeito, que não queria nem pensar em esquecer. E mesmo que quisesse, não conseguiria. E mais uma vez, não sabia explicar o porquê. Ela só sentia.. E sente. Ainda sente, ainda dói. Ela quer mudar, quer usar sua inconstância pra conseguir ser feliz de novo. Mas não muda. Muda de ambiente, muda de opinião, muda de gosto. Mas nunca muda de amor. Nunca se desprende desse passado lindo e colorido que lhe entristece mais e mais. Os ares novos que compõem a sua nova vida não têm o poder de tirar da sua cabeça o erro que cometeu, e que acabou pra sempre com a maior chance que tivera, de ser plenamente feliz. Há 455 dias ela se sente assim. Quando vê as pessoas tão felizes, tão completas, tão amadas. Sempre que vê, sua ferida sangra mais. E o sangue não estanca, nunca. Seu coração, durante esses 455 dias, adquiriu sérios problemas na coagulação.. Há 455 dias ela acorda com dias nublados, com o sorriso amarelo. Ao se olhar no espelho consegue enxegar nitidamente o arrependimento. E a cada dia, ela quer mudar. E sua mutabilidade a deixou na mão. A traiu. Deixou-a no chão, sangrando, sofrendo, sem nem lhe dar a mão para que possa levantar e seguir em frente. Nem pra abraçá-la quando acorda de madrugada com seu travesseiro empoçado pelas lágrimas. Pra pegar na sua mão e encorajá-la a levantar a cada manhã, pra tentar sorrir de novo. Ela agora está sozinha.. E a esperança não a abandona. As lembranças, são suas únicas amigas. Só elas. Elas são as que, nos momentos de tristeza, a fazem lembrar que um dia fora a menina mais feliz desse mundo. Por isso, ainda lhe resta lá no fundo uma mínima vontade de acordar todos os dias. Pela segunda vez na sua vida, ela tem um sentimento constante: a culpa.

5 comentários:

  1. sensibildade ao extremo, sinto que preciso ficar mais inteligente pra acompanhar e interpretar suas linhas de modo preciso.

    Resumindo, FODA DEMÁS.

    Beijo, amo você, felicidade minha.

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  2. gosto da facilidade que vc tem de falar de TANTO, usando tão poucas linhas. cada linha sua representa MUITO. isso é uma hablidade privilegiada. beijos Loira

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  3. Linda DEMAIS!! Sua sensibilidade me comove, sempre.. Parabéns

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  4. Letícia Rochedo Pontes10 de dezembro de 2010 às 11:27

    Amei...Chorei da metade ao final!! rsrsrsrsrs

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  5. Sua forma de escrever é inconfundível...Vc é incrível, tens um jeito de falar q é só seu.
    Parabéns!!!

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