sexta-feira, 24 de junho de 2011

Se



Se eu pudesse tê-la de volta, acho que nunca mais pediria nada ao universo. As flores voltariam a exalar seu perfume de sempre, a cozinha voltaria a ter o cheiro da comida que era só e unicamente sua e meus olhos continuariam enchendo-se de lágrimas toda vez que te encontrasse. Meu maior desejo se teria realizado, e assim, eu estaria completa novamente. A parte do meu coração que você levou consigo faz uma falta enorme no todo do meu ser, e gostaria muito que você pudesse me entregá-la em mãos, assim como devolver pra minha vida a tua presença, o teu sorriso, e teu olhar inigualavelmente reconfortante.
Se eu pudesse falar com o vento, pediria pra soprar em sua direção nos dias de verão, afim de esvoaçar seus cabelos de nuvem, leves e prateados. Pediria, no inverno, para cessar o seu trabalho e não ventar em sua direção, apesar de amar te ver com frio, usando aquele xale que a deixava ainda mais encantadora.
Se eu pudesse falar com o sol, gostaria que ele pudesse iluminar suas manhãs todos os dias, mesmo que embaixo da chuva forte. Não sei se seria possível, visto que deve ser um sacrifício enorme para ele competir com a luz que emana da tua alma.
Se eu pudesse falar com as flores, ia querer sentir delas o teu cheiro de vó invadindo meu quarto por entre as cortinas dia após dia. Talvez aumentasse a saudade, mas seria um belo presente diário.
Se eu pudesse falar com os pássaros, pediria que seu canto fosse feito com a tua voz, e que eles me acordassem pela manhã e fizessem-me dormir à noite, com o mesmo timbre mágico que te pertencia.
Se eu pudesse falar com Deus, e se é realmente Ele que administra estas idas e vindas de pessoas amadas, talvez eu o pedisse para nunca levá-la para longe de nós. Acho que meu pedido seria negado, então eu pediria apenas para visitá-la onde quer que você estivesse, de vez em quando. Acho que com uma vez ao dia, todos os dias, eu estaria satisfeita.
Se eu pudesse falar com você... Ah, se eu pudesse falar com você, vó. Eu pediria perdão por não ter lhe dito isso quando minha voz ainda podia alcançar os seus ouvidos; Pediria mil desculpas por não ter ficado todos os minutos de nossos momentos juntas lembrando e relembrando o quanto você é única e o quanto sou feliz por tê-la comigo. Me desculparia por não ter conseguido me despedir de você de pertinho, nem olhar sua expressão angelical pela última vez.
Eu agradeceria, e muito – pela saudade linda que deixou em nossos corações, e por ter me feito enxergar como é preciso amar com toda intensidade as pessoas que nos cercam. Agradeceria por você ter se mantido forte, guerreira e linda como uma rainha, até o teu último suspiro de vida. Agradeceria por você ter existido, e por ter transformado os bons momentos nossos em inesquecíveis. Cada palavra que você proferia era uma poesia, que me ensinava a cada dia como ser mais gente.
Se eu pudesse te encontrar, lhe entregaria este singelo papel, como menos de um por cento de demonstração do amor que ainda tinha aqui guardado pra você.
Deposito aqui, toda alegria e paz que você me deu um dia. O amor, o carinho, o zelo, a proteção. Todas as coisas boas de mim, as quais você ajudou a constituir.
São onze meses sem você, e não há um dia em que eu não sinta tua falta. Obrigada por ter feito de nossas vidas um mundo encantado, quando você ainda aqui estava. Com toda saudade e amor que houver no mundo, da sua neta eternamente grata por ter tido, mesmo que por pouco tempo, a ilustre presença de uma avó como você.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

"Pra você, Alice"

"Nem era uma manhã tão brilhante assim
Mas eis que você chegou e brilhou a manhã

Por entre os dentes e dedos delicados
Esvoaçava um cabelo de seda dourado

E a luz saía, e brilhava e
Preenchia a si e a sala

E a manhã?
A manhã não se continha em si mesma
Pois ora, você ali estava!

Flor da vida, amendoeira, conhece aroeira?
Flor de cerejeira? A fruta da jabuticabeira?
Sendo por entre os passos,
Os acasos,
Os planos divinos

Desenhando um caminho seu,
Falando uma língua que é sua

Ah! Flor da tarde, flor da noite
Enche de saudade esta manhã"



(Marcia Azeredo Bezerra)

terça-feira, 21 de junho de 2011

Um minuto de silêncio

"Gente, que silêncio! Alguém diz alguma coisa pra quebrar esse clima..." Quem nunca disse ou ouviu essa frase, que atire a primeira pedra. Em épocas da minha vida estive convencida de que era a pessoa mais barulhenta que eu mesma já conheci. Porém, quando descobri o significado do barulho, percebi que minha busca é por um silêncio interno e eterno. Certa vez, lendo palavras de Max Ehrmann, me peguei pensando profundamente no silêncio:
"Siga placidamente em meio ao barulho e à pressa e lembre-se da paz que se encontra no silêncio. [...] Evite as pessoas escandalosas e agressivas; elas afligem o espírito. [...]"
O silêncio muitas vezes pode significar paz de espírito. Pode também significar um vazio imenso entre duas ou mais pessoas onde as mesmas não tem idéia do que dizer, num momento de dúvida, de aflição, de tensão; mas, na maioria das vezes, por achar que o silêncio é o ócio total das nossas mentes, bem como das alheias, julgamo-no como algo nocivo a nós mesmos. Fazendo uma analogia a uma frase muito corriqueira, interpretando de uma forma mais aberta, "passou um anjo por aqui, todo mundo se calou", quer dizer que o anjo trouxe paz ao ambiente - talvez falemos tão superficialmente sobre o silêncio, que não percebemos o bem imenso que ele nos faz. As pessoas solitárias sentem falta do barulho, porque ele faz alusão a algum tipo de companhia. Sem generalizar, percebamos as que moram sozinhas. Quase todas passam a maior parte do tempo com a televisão ligada, como se a voz de outras pessoas naquela caixa eletrônica trancafiadas, fosse arrancar um pouco dessa solidão eterna que invade suas casas. Seguir placidamente em meio ao barulho e à pressa, quer dizer continuar pacífico e calmo, mesmo que imerso nas aflições mundanas que enfrentamos no dia-a-dia, e que se tornam uma poluição sonora irremediável ao nosso espírito. A pressa nos faz esquecer do que nos faz bem, apenas nos deixando sobreviver do jeito que nos cabe no tempo que nos resta das vinte e quatro horas democráticas com as quais somos presenteados desde o primeiro dia de nossa vida. Lembre-se da paz que se encontra no silêncio. Lembre-se, mas de NUNCA se esquecer dessa paz. O silêncio representa a sua profunda união de você com você mesmo. Do seu corpo, alma, mente, carne, ossos, órgãos, células, átomos. Dentro do silêncio você encontra as respostas das perguntas que, em meio aos ruídos cotidianos, não consegue responder a si mesmo e nem àqueles a sua volta. O que acontece muitas vezes é que, as pessoas têm a ciência de que o silêncio é uma máquina de consciência, mas a sua vida se faz tão afoita e embaraçosa que, preferem permanecer em meio ao barulho, sem pensar com intensidade em tudo que lhes cerca. Há um exercício interessante para valorarmos o silêncio com perfeição. Imagine um homem. Um empreiteiro. Um empreiteiro um dia inteiro perto de uma britadeira. Um empreiteiro com 4 filhos. Um empreiteiro com 4 filhos, uma esposa, uma amante, morando num conjugado e uma britadeira. Naturalmente os empreiteiros não têm tempo para meditar e pensar no universo, na consciência, na paz de espírito. Mas, mesmo eles, sem esse espaço, ainda que prefiram estar na companhia de britadeiras a de suas mulheres reclamando e 4 filhos gritando, conseguem valorar mais o silêncio do que nós, que temos tempo suficiente para pensar e praticar o silêncio com destreza e atenção. Perceba em cada segundo de silêncio quantos barulhos apaziguadores existem no mundo. Sem britadeiras, campainhas, furadeiras, choros de criança, latidos e marteladas. Perceba, com totalidade, o namorar dos grilos, o ressonar do sol à noite e o da lua, ao dia. O ruído de sua própria respiração, o trabalho que seus órgãos fazem com precisão para lhe manter vivo e forte em meio a toda essa pressa. Evite as pessoas escandalosas e agressivas; elas afligem o espírito. Ouvi também alguém muito iluminado dizer, certa vez, num lugar cheio de paz, algo que tomou conta de meus pensamentos por muitos dias. Explicou que, quando gritamos uns com os outros, é sinal de que nossos corações estão afastados. Esse fato, é processual. Começa com um grito, o coração se assusta, e se afasta um pouco. No segundo grito, o coração sai de perto. Com o passar o tempo, os corações se afastam de forma que não conseguem encontrar mais o caminho de volta. E assim, você afasta as pessoas de você. Quanto mais pacificamente você se comunica, mais corações trará para perto de si. Quanto menos você fala, e mais acaricia as pessoas com a sua voz, os corações começam a fazer parte do seu, não a ficar apenas perto de você. E quando você já não precisa falar, apenas consegue olhar em seus olhos para compartilharem juntos essa dádiva que é o silêncio, vocês se tornam quase a mesma pessoa. Com essa frase do poeta, hei de discordar: não evite essas pessoas. Ajude-as, no que puder, a serem silenciosas, amorosas, serenas e plácidas como você. Evite sim, ser tão apressado e barulhento a ponto de não conseguir mais ouvir os seus amores, apenas os gritos apavorados das tristezas e dores que, mesmo que poucas, você, como qualquer outro, adquiriu com o tempo. Respeite o silêncio alheio, e acima de tudo, respeite-se. Respeite o silêncio que você precisa, a cada dia. E respeite, mais ainda, o silêncio que o mundo precisa ouvir. Faça o seu silêncio, e, assim, contagiará cada ser do universo aos poucos, com essa paz de espírito que conseguirá exalar no vazio das palavras.